Postar autorretratos na internet sugere busca pela aprovação do outro
por: Luísa Restelli
A Selfie (autorretrato geralmente feito com um smartphone ou uma webcam e publicado em uma rede social) está cada vez mais recorrente. Por meio dela, compartilhamos momentos e atualizamos os amigos de nossas atividades em tempo real. No ano de 2002, temos o primeiro registro desta palavra, em um fórum virtual australiano. Em 2004, o termo começou a se popularizar no serviço de fotos do Flickr e ganhou força total nas redes sociais em 2012. A utilização da palavra "selfie" foi tanta que acabou sendo eleita a palavra internacional do ano de 2013 pelo "Oxford English Dictionary". Mas o que será que está por trás dessa vontade cada vez maior de compartilhar o dia a dia com tantas pessoas?
Percebo que há uma carência por trás de tanta exposição virtual. Uma carência que quer ser suprida pela aprovação e aceitação do outro. Estamos sempre em busca de reconhecimento e amor, procurando estabelecer isso de maneiras diversas. Penso que o fenômeno da selfie está intimamente ligado a esta procura interna. Na busca por aprovação, atenção e reconhecimento, postamos fotos que, de alguma maneira, acreditamos que suprirão nossas necessidades afetivas.
É interessante refletir que nossa busca por reconhecimento e amor está na base de toda a nossa trajetória de vida. Nossos desejos e o que fazemos estão norteados por uma busca incessante em receber amor do outro. É importante observar isso, pois tanto em nossas buscas profissionais, como amorosas e sociais, estamos sempre, no fundo, tentando ser aceitos e amados.
SELFIE PODE SUGERIR IMAGEM IDEALIZADA DE SI MESMO
Acontece que, na tentativa de sermos amados, criamos um personagem para nós mesmos. Uma máscara com a qual acreditamos que iremos fazer sucesso e receber este amor. Desta forma, a selfie se torna um instrumento perfeito para buscarmos passar a melhor imagem possível, na tentativa de controlar a ideia do que o outro vai achar de nós, na ilusão de que controlamos isso. Por exemplo, a ideia de que sua vida é feliz e divertida, que você é alto astral, sedutor, tem boas relações amorosas/sexuais e que você deve ser uma companhia adorável e imperdível, até mesmo para as pessoas que já lhe conhecem.
Desta forma, utilizamos de vários elementos para fazer uma imagem idealizada de nós mesmos que queremos vender para o outro. E na medida em que essa imagem vai sendo comprada, vamos supostamente suprindo nossas necessidades e carências, mantendo esta máscara que tem sido bem aceita socialmente. Se observarmos, a maioria das selfies busca passar um certo momento feliz, vitorioso, divertido, belo, algo que possa trazer uma atenção positiva para si mesmo.
O que pude perceber é que, de certa forma, criamos uma grande bola de neve nas redes sociais. Como todos postam fotos de momentos felizes, quem olha de fora passa a acreditar que estão todos mais felizes que você. Desta forma, você passa a tirar fotos que retratem felicidade para também postar na internet. E quanto mais pessoas felizes você tem em sua rede social, mais quer mostrar o quanto é feliz também. Mais que isso: você quer mostrar que também é digno de amor e admiração. E isso se torna uma grande concorrência de quem será mais amado.
Você se identifica com isso? Agora me diz, quantas vezes você se pega conferindo o número de curtidas recebeu? Ou olha toda hora quem curtiu sua foto? Se teve comentário novo? Vira quase uma obsessão saber quanto sucesso você está fazendo naquele momento, não é mesmo? E você fica todo feliz com cada curtida, cada comentário, ainda mais se chamar atenção "daquela" pessoa especial! Porém, não importa a quantidade de curtidas e comentários positivos que você receba em uma foto, a insatisfação que o moveu a querer ser amado pelo outro continuará ali presente. O vazio que você tenta preencher com uma selfie não será suprido pela quantidade de visualizações que a foto recebeu, pois essa satisfação só se dá internamente.
O contato interno parece ficar cada vez mais em segundo plano, enquanto a vontade de expressão se intensifica. É possível observar, a partir do fenômeno da selfie, uma necessidade cada vez maior de compartilhar a todo o momento a sua vida nas redes sociais e receber o maior número de curtidas. O contato humano, mesmo que "ao vivo", tem estado sempre atravessado por momentos virtuais e a vivência do momento presente está cada vez mais se perdendo atrás de telas de celulares e máquinas fotográficas.
FAZER MUITAS SELFIES PODE TIRAR ATENÇÃO DO MOMENTO PRESENTE
Hoje em dia, passamos pouco tempo sozinhos, apreciando a própria companhia, silenciando a mente e aproveitando o momento presente. Pouco, também, é o contato consigo mesmo e suas emoções. Mesmo sozinhos, estamos com nossos celulares e internets, conversando com muitos conhecidos e amigos, compartilhando cada momento do dia a dia. Sempre mergulhados em um mundo paralelo virtual, vamos perdendo as preciosidades do momento presente que só acontecem naquele instante.
A vontade de mostrar o que estamos fazendo é tão grande que acabamos perdendo muitos momentos da vida, produzindo fotos de determinada situação, ao invés de vivê-la plenamente.
A experiência do aqui e agora, quando mantemos a mente no momento presente e vivenciamos cada instante de maneira inteira e consciente, está cada vez mais e mais escassa. Em grande parte, estamos vivendo nossas vidas com a mente no passado ou no futuro. Com relação às selfies, acredito que a mente experimenta o momento da foto presa no futuro, já pensando na imagem que vai fazer e no sucesso que ela poderá causar, nos comentários que receberá e na quantidade de curtidas que terá. E tudo isso preso no passado, na procura por receber a atenção que não foi suprida anteriormente. A busca pela satisfação de uma conquista futura impossibilita a satisfação que o momento presente poderia proporcionar.
É claro que uma selfie ou outra não faz mal a ninguém, não é mesmo? O que devemos é dar atenção para o excesso, afinal, nada em excesso é lá muito saudável. Como sempre, aperto na tecla da consciência e autoconhecimento. Consciente de si e de suas escolhas, não há certo ou errado, apenas caminhos diversos que você pode optar.